LAGARTO! LAGARTO! LAGARTO! 2024-03-01T15:35:32+00:00
PT | EN
LAGARTO! LAGARTO! LAGARTO!

Rosa, Júlia & António Ramalho

– Quem é que fez esse lagarto?
– Fui eu, quem havia de ser?!
– E como é que fez isso?
– Com as mãos, com o que é que havia de fazer?!

Numa regressão imaginária até ao mais longínquo dos tempos da vida na Terra, o lagarto anfíbio terá sido, como muitos defendem, o primeiro ser animal a pisar o solo terrestre. Acontece que, se há um elemento comum a ligar as três artes a que se dedica a Cruzes Canhoto – arte bruta, primitiva e popular –, esse elemento é precisamente o lagarto, nas suas mais diversas formas, sejam elas uma sardanisca ou um sardão, uma iguana ou um dragão. Curiosamente, a expressão “cruzes, canhoto!”, equivalente a “vade retro, Satanás!”, tem o mesmo significado de “lagarto, lagarto, lagarto!”. Dá-se ainda a coincidência de a peça que desencadeia o encontro entre Rosa Ramalho e António Quadros, em 1956, ser mais uma vez um lagarto – considerado da sorte, pela família Ramalho.
Não somos fiéis da metafísica, nem cultivamos esoterismos, mas aprendemos a não desprezar as coincidências que o acaso nos oferece.

Por tudo isto, quando decidimos que seria a família Ramalho – Rosa, Júlia e António – a abrir o ciclo de exposições dedicadas à arte popular, o título escolhido só poderia ser “Lagarto! Lagarto! Lagarto!”.
Cumprindo uma elipse de 60 anos, exactamente o mesmo período (1956-2016) em que Júlia desenvolve a sua actividade criativa, o lagarto de Rosa percorre um longo caminho de mutações até se transformar no Sarrônco de António.
Não se pretende, porém, tanto na exposição como na publicação que se edita em paralelo, uma amostra extensiva do trabalho da família. Dado o carácter específico da acção da Cruzes Canhoto, foram seleccionadas apenas peças “endemonionhadas” próprias da arte outsider, excluindo a representação de santos, presépios ou de figuras do quotidiano rural, e preferindo antes figuras de seres estranhos, grotescos e atravessados, pertencentes a universos míticos, surreais e fantasmagóricos. No fundo, aquilo que consagrou como absolutamente único o trabalho de Rosa, Júlia e António Ramalho, três artistas essenciais não só na história do figurado de barro na região de Barcelos, mas também no âmbito de toda a arte popular portuguesa.

Título:
LAGARTO! LAGARTO! LAGARTO!
Rosa, Júlia & António Ramalho

Data:
12 Novembro > 31 Dezembro 2016 + Uns Dias
Local:
Galeria Cruzes Canhoto, Rua Miguel Bombarda, 452, Porto
Curadoria:
Cruzes Canhoto
Textos:
Tiago Coen / Maria Manuela Restivo / Maria Canhota
Fotografias:
Nuno Marques / Cruzes Canhoto
Apoio:
Museu de Olaria
Câmara Municipal de Barcelos



ROSA RAMALHO

Rosa Barbosa Lopes, mais conhecida por Rosa Ramalho ou Ramalha, nasce em Agosto de 1888 na freguesia de Galegos S. Martinho, em Barcelos. Começou a trabalhar o barro com uma vizinha quando ainda era criança, mas é na década de 50, após enviuvar, que abandona a actividade de moleira e começa a produzir figuras de barro com  maior frequência. Trabalha até falecer, em 1977, nunca parando de vender as suas criações nas feiras e romarias do norte de Portugal.

Na sua obra encontram-se ainda vários motivos da vida rural minhota, típicos do figurado tradicional (bandas de música, procissões, figuras com arados), mas é a sua dimensão visionária, materializada em criaturas antropomórficas e bichos surrealistas, para além dos diabos e dos cristos – sua imagem de marca –, que chama a atenção de um conjunto de professores e alunos das Belas Artes, ainda na década de 50. A valorização artística do trabalho de Rosa Ramalho pelo meio intelectual é determinante para a mudança de paradigma na produção e no consumo do figurado de Barcelos, nos anos que se seguem.

O seu nome, popularmente conhecido pelo RR grafado nas suas peças, ficará para sempre associado à história do figurado de barro em Portugal.

JÚLIA RAMALHO

Maria Júlia Oliveira Mota Esteves nasce em Maio de 1946 na casa de sua avó, Rosa Ramalho. Começa a modelar o barro muito cedo, acompanhando ainda em criança a sua avó pelas mais variadas feiras populares. Assina a sua primeira peça aos 10 anos de idade, incentivada pelo pintor portuense António Quadros. Aventureira por natureza, estabelece-se por conta própria, no final dos anos 60, e começa a afirmar a sua identidade estilística, distanciando-se progressivamente das criações de Rosa Ramalho. A sua produção é caracterizada pela utilização do vidrado em diversos tons de mel, sobre peças com temas maioritariamente religiosos, ainda que nunca abandone completamente a dimensão do fantástico e do profano, herdada da avó. De entre as suas obras mais conhecidas e premiadas, destacam-se os “Sete Pecados Mortais” (uma criação do final dos anos 70) e a “Medusa” (criada em meados dos anos 80).

O convívio de perto com uma classe mais intelectual e politicamente consciente, em grande parte ligada à esquerda portuguesa, a par das múltiplas viagens que realiza pelo país e pelo estrangeiro, conferem-lhe um estatuto cultural sem equivalente nos seus pares, fazendo de Júlia Ramalho a mais digna representante da arte popular portuguesa por todo o território nacional e além-fronteiras.

ANTÓNIO RAMALHO

António Manuel da Mota Ferreira, filho de Júlia Ramalho, nasce em 1969 na freguesia de Galegos S. Martinho. Apesar de ter nascido no seio de uma família de barristas, não via na altura grande futuro nessa actividade, pelo que cedo tentou a sua sorte noutras áreas e noutras paragens, nomeadamente Inglaterra (1989) e França (1990).

Cria as suas primeiras peças em 1991, mas só em 2004, depois de regressar de uma longa estadia na Alemanha (1999-2004), começa a dedicar-se em exclusivo ao figurado. Dotado do génio criativo visionário da bisavó, vai experimentando novas técnicas e progressivamente desenvolvendo as suas próprias figuras, enquanto ajuda a mãe na produção das peças desta.

Nas suas criações, marcadas pelo uso do vidrado em tons de verde, utiliza diversos elementos de peças da mãe e da bisavó, que quando extraídos do seu enquadramento original e incluídos num outro contexto, acabam por definir um estilo muito próprio. É um universo quimérico, quase psicadélico, povoado por imagens fantásticas, herdeiro da tradição familiar, mas que não abdica de ser seminal, ao apontar novas vias de evolução para o figurado da região de Barcelos, e com um potencial de interesse que ultrapassa o clássico coleccionador da arte popular.

Todas as obras expostas no espaço da Cruzes Canhoto estão agora disponíveis para aquisição online.
Para o fazer, entre em contacto directo com a galeria.