ARTE BRUTA 2024-04-03T17:20:36+00:00
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ARTE BRUTA

Art Brut, um termo cunhado em 1945 pelo artista plástico francês Jean Dubuffet, define a arte dos inadaptados, dos loucos, dos visionários, dos médiuns, dos alienados em geral. Confunde-se com outras expressões marginais, como a Outsider Art, a Singular Art ou a Folk Art, sendo em muitos casos difícil definir as fronteiras de cada um dos géneros.
Afirma-se pela rejeição da arte dominante, da qual se demarca essencialmente na questão dos pressupostos comerciais do acto criativo. As obras criadas pelos artistas deste universo surgem espontaneamente, como um grito interior que urge em fazer-se ouvir, brotando das suas vísceras, muitas vezes como meio de terapia para os seus desequilíbrios mentais, sem quaisquer condicionamentos académicos ou formatações prévias.
Outrora ignorada, é hoje considerada por muitos como a mais genuína e vital das artes, não havendo colecção de nenhum museu de arte moderna de uma grande capital que se possa considerar totalmente completa se não contemplar pelo menos um par de obras deste género. Assim acontece no MoMa (Nova Iorque), na Tate Modern (Londres) e no Centre Pompidou (Paris).

Adolf Wölfli, Gaston Dufour e Aloïse Corbaz, três dos artistas descobertos por Jean Dubuffet.

ARTE SEM MARGENS: O APELO BRUTO DA ARTE OUTSIDER

Por Naomi Martin, em Artland

«No início do século XX, dois psiquiatras escreveram textos altamente influentes sobre arte criada por pacientes em hospitais psiquiátricos, originalmente destinados à pesquisa médica. O psiquiatra suíço Walter Morgenthaler ficou encantado com as obras de arte de um dos seus pacientes de longa data, Adolf Wölfli, que analisou no seu livro A Mental Patient as Artist (1921). Por sua vez, o psiquiatra alemão Hans Prinzhorn documentou e coleccionou milhares de obras de arte dos seus pacientes em Artistry of the Mentally Ill (1922). Este último livro tornou-se uma influência tremenda para o movimento Surrealista e para outros artistas dessa época, particularmente Jean Dubuffet.
Dubuffet foi um dos artistas franceses mais influentes do pós-Segunda Guerra Mundial. Após estudar os ensaios de Prinzhorn, ficou completamente fascinado pela arte dos doentes mentais, que possuía, aos seus olhos, qualidades incomparáveis e representava a forma mais pura de criação artística. Totalmente imerso no conceito, Dubuffet encontrou uma fonte inesgotável de inspiração para a sua própria arte e fundou a Compagnie de l’Art Brut em 1948, com uma das figuras mais aclamadas do surrealismo, André Breton. Com esta organização, Dubuffet começou a coleccionar as obras destes artistas autodidactas, ao mesmo tempo que ia celebrando, com exposições e publicações, a qualidade crua, não tocada pelas formatações académicas e tendências da época. Afirmou que a Art Brut, por causa da sua espontaneidade e inocência, era superior a qualquer outro género consagrado na história da arte.
Embora pudesse ser considerada como tal, a Art Brut não era apenas a arte dos psicologicamente perturbados. Muitas obras foram de facto produzidas por doentes internados, mas Dubuffet manteve no seu manifesto que a doença mental não era um critério. A Art Brut pretendia antes abranger a criatividade artística de mentes resguardadas de influências externas, capazes de produzir respostas artísticas espontâneas e imediatas aos ambientes que os rodeavam.»

As “Vivian Girls” de Henry Darger.

«O estudo de 1972 de Roger Cardinal sobre Art Brut, que o levou a cunhar o termo Outsider Art, foi um marco significativo na história do género artístico, ajudando a atrair atenção internacional e um novo público global. Alguns anos mais tarde, em 1979, Cardinal organizou a exposição Outsiders: An Art Without Precedence or Tradition, na Hayward Gallery de Londres, desenvolvendo ainda mais a visão inicial de Dubuffet, ao incluir obras de artistas americanos como Martin Ramirez e Henry Darger.
Com esta exposição, Cardinal abriu a porta a mais artistas, desafiando assim os limites mais rígidos impostos anteriormente por Dubuffet – Art Brut e Outsider Art fundiram-se num fenómeno internacional, unificando uma maior variedade de obras de arte, mas ainda assim mantendo os mesmos princípios e valores do início. Na década de 1980, o termo Outsider Art expandiu-se para incluir todos os tipos de obras produzidas por artistas marginalizados, incluindo aqueles que anteriormente teriam sido descritos como Artistas Populares [Folk Artists].»

A arte bruta na cerâmica japonesa.

«Ao longo da década de 1990, a ascensão e o reconhecimento da Outsider Art tornaram-se inquestionáveis. Os principais museus e galerias começaram a prestar atenção ao género, reconhecendo o seu valor e aceitando-a como arte “séria”. Mais recentemente, uma série de eventos exclusivamente dedicados às obras de artistas outsider começaram a surgir, como as feiras de Outsider Art de Nova Iorque e de Paris, e a representação do género em exposições consagradas, principalmente com a 55ª Bienal de Veneza ou a retrospectiva dedicada a Henry Darger no Museu de Arte Moderna de Paris.
Apesar do seu rótulo enganador, a Arte Outsider está em crescimento. Peças que teriam custado algumas centenas de dólares na década de 1970 atingem agora os seis dígitos – em 2019, a venda da Christie’s de Arte Outsider e Arte Vernacular rendeu mais de quatro milhões de dólares, consolidando a ideia de que a Arte Outsider é aceite e reconhecida pelo mercado de arte, desde os coleccionadores aos museus convencionais.
Crua, “não cozinhada” pelo mundo artístico, a Arte Outsider continua a maravilhar e surpreender até hoje, à medida que os seus limites se tornam cada vez mais fluídos. Minorias, migrantes, inválidos, doentes mentais, autodidactas – todos estes outsiders estão essencialmente unidos por um poderoso desejo pessoal de criar primeiramente para eles mesmos, retratando sem formação académica os seus próprios mundos, na forma mais pura e crua. A Arte Outsider veio para ficar, agora considerada um ramo fundamental do cânone histórico da arte e um insider estabelecido do mundo artístico.»

Obras de Carlo Zinelli, Jaime Fernandes e Bill Traylor.

     INFO/LINKS

Raw Vision: O Que é a Outsider Art?
A designação Art Brut é atribuída a Jean Dubuffet, que a terá usado pela primeira vez em 1945. Contudo, o conceito não é consensual, e tem vindo a ser alvo de alguma discussão e controvérsia. Neste artigo, a revista Raw Vision, uma das publicações de referência nesta área, ajuda a clarificar os conceitos de Arte Bruta e Arte Outsider.

Collection de l’Art Brut Lausanne
Muitas vezes referido como Musée de L’Art Brut, é um museu dedicado à Arte Bruta, situado em Lausanne, na Suíça. A colecção foi iniciada por Jean Dubuffet a partir de 1945, ano em que ele começou a adquirir as obras.

Ensaio de Baptiste Brun sobre a Art Brut
Recolha de documentação para a Art Brut: os levantamentos de Jean Dubuffet no imediato pós-guerra, no que diz respeito ao modelo etnográfico.

Outsider Art Fair
Fundada em 1993, a Outsider Art Fair é a principal feira mundial dedicada às Self-Taught Art, Art Brut e Outsider Art, e tem lugar anualmente em Nova York e Paris.

Coleção Treger/Saint Silvestre/
Integra mais de 1700 obras de Arte Bruta, Arte Singular e Arte Contemporânea. A sua natureza específica torna-a única na Península Ibérica. É uma das mais ricas colecções privadas no mundo, contando com muitos dos autores clássicos de Arte Bruta. Desde 2014, está disponível ao público no Centro de Arte Oliva em S. João da Madeira, em Portugal.

Manicómio
Manicómio é um projecto artístico de impacto social baseado numa história real. Tem por principal objectivo desmistificar o tema das doenças mentais, fazendo apelo da expressão artística na sua versão mais crua e genuína. Sediado originalmente no Hospital Psiquiátrico de Lisboa, tem agora o seu espaço próprio.

Associação Portuguesa de Arte Outsider
A Associação entende como Arte Outsider a arte pouco ou não influenciada pela arte institucionalmente aceite, produzida geralmente por autores sem formação ou autodidactas, desligados, pelo seu isolamento ou atitude, dos circuitos culturais, em muitos casos artistas com perturbação mental ou afastados e não reconhecidos pela sociedade.

LaM
Este museu, situado nos arredores de Lille, apresenta simultaneamente no mesmo espaço colecções de Arte Moderna, Arte Contemporânea e Arte Bruta. Com mais de 7.000 obras, oferece um panorama inédito da arte dos séculos XX e XXI. A abordagem única do museu promove interacções essenciais entre conjuntos de obras de origens diversas.

Intuit: The Center for Intuitive and Outsider Art
Fundado em Junho de 1991, Intuit é a única organização sem fins lucrativos nos Estados Unidos que se dedica exclusivamente a apresentar Outsider Art, definida como a obra de artistas que demonstram pouca influência do mundo da arte convencional e que, em vez disso, são motivados pelas suas visões pessoais singulares.

Galeria Christian Berst
A Galeria Christian Berst abriu as suas portas pela primeira vez em 2005, sendo considerada a única galeria especializada em Art Brut, em Paris. Tem trabalhado na promoção de criadores com talentos excepcionais, exibindo não só os nomes já consagrados da Art Brut como também os que consideram ser as estrelas do futuro.