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ARTE BRUTA
Art Brut, um termo cunhado em 1945 pelo artista plástico francês Jean Dubuffet, define a arte dos inadaptados, dos loucos, dos visionários, dos médiuns, dos alienados em geral. Confunde-se com outras expressões marginais, como a Outsider Art, a Singular Art ou a Folk Art, sendo em muitos casos difícil definir as fronteiras de cada um dos géneros.
Afirma-se pela rejeição da arte dominante, da qual se demarca essencialmente na questão dos pressupostos comerciais do acto criativo. As obras criadas pelos artistas deste universo surgem espontaneamente, como um grito interior que urge em fazer-se ouvir, brotando das suas vísceras, muitas vezes como meio de terapia para os seus desequilíbrios mentais, sem quaisquer condicionamentos académicos ou formatações prévias.
Outrora ignorada, é hoje considerada por muitos como a mais genuína e vital das artes, não havendo colecção de nenhum museu de arte moderna de uma grande capital que se possa considerar totalmente completa se não contemplar pelo menos um par de obras deste género. Assim acontece no MoMa (Nova Iorque), na Tate Modern (Londres) e no Centre Pompidou (Paris).
Adolf Wölfli, Gaston Dufour e Aloïse Corbaz, três dos artistas descobertos por Jean Dubuffet.
ARTE SEM MARGENS: O APELO BRUTO DA ARTE OUTSIDER
Por Naomi Martin, em Artland
«No início do século XX, dois psiquiatras escreveram textos altamente influentes sobre arte criada por pacientes em hospitais psiquiátricos, originalmente destinados à pesquisa médica. O psiquiatra suíço Walter Morgenthaler ficou encantado com as obras de arte de um dos seus pacientes de longa data, Adolf Wölfli, que analisou no seu livro A Mental Patient as Artist (1921). Por sua vez, o psiquiatra alemão Hans Prinzhorn documentou e coleccionou milhares de obras de arte dos seus pacientes em Artistry of the Mentally Ill (1922). Este último livro tornou-se uma influência tremenda para o movimento Surrealista e para outros artistas dessa época, particularmente Jean Dubuffet.
Dubuffet foi um dos artistas franceses mais influentes do pós-Segunda Guerra Mundial. Após estudar os ensaios de Prinzhorn, ficou completamente fascinado pela arte dos doentes mentais, que possuía, aos seus olhos, qualidades incomparáveis e representava a forma mais pura de criação artística. Totalmente imerso no conceito, Dubuffet encontrou uma fonte inesgotável de inspiração para a sua própria arte e fundou a Compagnie de l’Art Brut em 1948, com uma das figuras mais aclamadas do surrealismo, André Breton. Com esta organização, Dubuffet começou a coleccionar as obras destes artistas autodidactas, ao mesmo tempo que ia celebrando, com exposições e publicações, a qualidade crua, não tocada pelas formatações académicas e tendências da época. Afirmou que a Art Brut, por causa da sua espontaneidade e inocência, era superior a qualquer outro género consagrado na história da arte.
Embora pudesse ser considerada como tal, a Art Brut não era apenas a arte dos psicologicamente perturbados. Muitas obras foram de facto produzidas por doentes internados, mas Dubuffet manteve no seu manifesto que a doença mental não era um critério. A Art Brut pretendia antes abranger a criatividade artística de mentes resguardadas de influências externas, capazes de produzir respostas artísticas espontâneas e imediatas aos ambientes que os rodeavam.»
As “Vivian Girls” de Henry Darger.
«O estudo de 1972 de Roger Cardinal sobre Art Brut, que o levou a cunhar o termo Outsider Art, foi um marco significativo na história do género artístico, ajudando a atrair atenção internacional e um novo público global. Alguns anos mais tarde, em 1979, Cardinal organizou a exposição Outsiders: An Art Without Precedence or Tradition, na Hayward Gallery de Londres, desenvolvendo ainda mais a visão inicial de Dubuffet, ao incluir obras de artistas americanos como Martin Ramirez e Henry Darger.
Com esta exposição, Cardinal abriu a porta a mais artistas, desafiando assim os limites mais rígidos impostos anteriormente por Dubuffet – Art Brut e Outsider Art fundiram-se num fenómeno internacional, unificando uma maior variedade de obras de arte, mas ainda assim mantendo os mesmos princípios e valores do início. Na década de 1980, o termo Outsider Art expandiu-se para incluir todos os tipos de obras produzidas por artistas marginalizados, incluindo aqueles que anteriormente teriam sido descritos como Artistas Populares [Folk Artists].»
A arte bruta na cerâmica japonesa.
«Ao longo da década de 1990, a ascensão e o reconhecimento da Outsider Art tornaram-se inquestionáveis. Os principais museus e galerias começaram a prestar atenção ao género, reconhecendo o seu valor e aceitando-a como arte “séria”. Mais recentemente, uma série de eventos exclusivamente dedicados às obras de artistas outsider começaram a surgir, como as feiras de Outsider Art de Nova Iorque e de Paris, e a representação do género em exposições consagradas, principalmente com a 55ª Bienal de Veneza ou a retrospectiva dedicada a Henry Darger no Museu de Arte Moderna de Paris.
Apesar do seu rótulo enganador, a Arte Outsider está em crescimento. Peças que teriam custado algumas centenas de dólares na década de 1970 atingem agora os seis dígitos – em 2019, a venda da Christie’s de Arte Outsider e Arte Vernacular rendeu mais de quatro milhões de dólares, consolidando a ideia de que a Arte Outsider é aceite e reconhecida pelo mercado de arte, desde os coleccionadores aos museus convencionais.
Crua, “não cozinhada” pelo mundo artístico, a Arte Outsider continua a maravilhar e surpreender até hoje, à medida que os seus limites se tornam cada vez mais fluídos. Minorias, migrantes, inválidos, doentes mentais, autodidactas – todos estes outsiders estão essencialmente unidos por um poderoso desejo pessoal de criar primeiramente para eles mesmos, retratando sem formação académica os seus próprios mundos, na forma mais pura e crua. A Arte Outsider veio para ficar, agora considerada um ramo fundamental do cânone histórico da arte e um insider estabelecido do mundo artístico.»
Obras de Carlo Zinelli, Jaime Fernandes e Bill Traylor.
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